quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

INCLUIR PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NO TRABALHO É DEVER DO ESTADO


MERCADO DE TRABALHO - MATÉRIA PUBLICADA NO CONSULTOR JURÍDICO

Inclusão de pessoas com deficiência é dever do Estado

O presente artigo tem o propósito de difundir alguns aspectos da inclusão social relativos à inserção no mercado de trabalho das pessoas com deficiência, assim entendidas, nos termos do artigo 1, da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, ex-vi do Decreto Legislativo 186/2008 e do Decreto 6949/2009, como aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (sic)
Desde logo, dois argumentos juridicamente relevantes são erigidos, em escala planetária, a partir dessa nova concepção universal acerca do quadro das deficiências sobre o perfil da condição humana: 1) não se tratam mais de meras contingências ou variáveis puramente clínicas ou patológicas, mas essencialmente sociais, a dizer, ínsitas à própria natureza individual da pessoa (com deficiência), atributo de identidade inteiramente guarnecida pela dignidade humana que a notabiliza na sociedade e como tal é protegida pelas Constituições dos Estados de Direito e democráticos; 2) que o princípio ancilar da igualdade merece uma segmentação binária entre pólos que se complementam, a saber: (2a) igualdade jurídica (de todos perante a lei, que deriva do advento das teorias liberais do século XVII) e (2b) igualdade material (relacionada com semelhantes oportunidades com que todos [desenho universal] possam legitima e validamente exercer a própria cidadania em plenitude assim no exercício de direitos quanto no cumprimento de deveres). No caso brasileiro, em particular, ensina José Afonso da Silva que a Carta Política (artigo 5º) busca aproximar os dois conceitos de isonomia ou igualdade pela sua menção associada a vedações quanto aos diversos discrímens que por ventura possam vir a ser construídos, idiopática ou preconceituosamente, contra os direitos da pessoa humana. (Silva, José Afonso da [2009]: Comentário contextual à Constituição. 6ª edição. Malheiros Editores. São Paulo, p. 72)
Convém esclarecer, por outro lado, que a luta por igualdade não pode sedimentar um território em que a ideia de sujeito de direito fique corrompida por uma falsa obsessão identitária, substituindo-se uma tragédia social por outra. Realmente, esta é a lição de Alain Touraine: El mayor peligro actual es, sin embargo, aquel que ya he mencionado, a saber, que la idea de sujeto sea corrompida por la obsesión de la identidad. Es falso, em nombre de la idea de sujeto, defender um derecho a la diferencia (Touraine, Alain [2006]: Un nuevo paradigma para comprender El mundo hoy. Paidós. Buenos Aires, p. 125). As diferenças e, pois, as desigualdades sociais devem ser entendidas como males a serem superados, mediante a necessária urgência, não como contingências naturais ou empíricas que determinam a condição humana e social das pessoas em geral.
Para a perfeita compreensão do gênero humano em sociedade vale, sim, substancialmente, a dignidade de todos e de cada um.
Com efeito, a sociedade brasileira vive um momento sem precedentes. Em que pese ser o Brasil um dos ainda poucos países que dispõem de uma legislação específica, e de grande significado técnico, as pessoas com deficiência continuam a sofrer as tragédias da exclusão social entre nós, sobretudo aquelas que compõem as classes economicamente mais desfavorecidas. Sobre isto, dizem Ana Paula Crosara de Resende e Flavia Maria de Paiva Vital, o seguinte: Para corroborar esta afirmação basta proceder à análise da baixa presença de pessoas com deficiência em setores básicos que promovem inclusão formado pelo acesso à escola, pelo acesso ao trabalho, pelo acesso ao meio urbano e rural, aos transportes e pelo acesso aos serviços de saúde e reabilitação. (Resende, Ana Paula Crosara; Vital, Flavia Maria de Paiva (assinam o texto introdutório e coordenam os comentários) [2008]: A convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência: versão comentada. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Presidência da República. Brasília, p. 19)
Desse modo, a Nação brasileira está sendo chamada a colmatar os princípios e regras que emergem da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, assinada em Nova York e depois, entre nós, ratificada na forma do artigo 5º, parágrafo 3°, da Constituição Federal, com equivalência de emenda constitucional, autoaplicável e inderrogável, sequer pelos procedimentos de revisão da Carta, dado que a Convenção trata especificamente de Direitos Humanos. As disposições convencionais em foco constituem, portanto, cláusulas pétreas.[1]
Esse esforço de crescimento social e político, mediante a eliminação de barreiras dentre as quais a pobreza se destaca em países periféricos, sinaliza para a inclusão e o sentimento constitucional inclusivo que assume papel substancioso no exercício da cidadania democrática e participativa — conquanto implicar-se com o outro não é mais somente como que uma expressão filantrópica, assistencialista, mas uma atitude afirmativa que corresponde à vida social contemporânea, de igualdade e Justiça para todos. Sobre isto, Agnes Heller, para quem: Sentir significa estar implicado em algo. E acrescenta: Não é que haja ação, pensamento, fala, busca de informação, reação e que tudo isso esteja ‘acompanhado’ por uma implicação no processo; na verdade, trata-se de considerar a própria implicação como fator construtivo inerente ao atuar, pensar etc.; trata-se de considerar a implicação como estando incluída em tudo isso, por via de ação ou reação. (apud Verdú, Pablo Lucas [2004]: O sentimento constitucional: aproximação ao estudo do sentir constitucional como modo de integração política. Editora Forense. Rio de Janeiro, pp. 52,53)
Quando a implicação se refere a cláusulas fundamentais da sociedade politicamente estabelecida, então essa implicação traduz um sentimento: o sentimento constitucional. E se esse sentimento trata de questões relacionadas com a inclusão, como a igualdade de todos perante a lei, guardadas as semelhantes condições para um determinado exercício jurídico, temos, então, o que no mesmo sentido se pode convencionar como sentimento constitucional inclusivo. Esse sentir envolve, ademais, três perspectivas: o sentir sobre o que é o Direito; o sentir sobre o que deve ser o Direito posto; e o sentir sobre qual a atitude a adotar — obediência/infração — perante o Direito posto. (Verdú: opus citatum, p. 54)
Para um país que pretende superar dificuldades históricas ligadas às desigualdades sociais, convém que se estabeleçam, outrossim, o quanto antes, as bases para uma Teoria Inclusiva consistente e eficaz.[2] Isto pressupõe uma comunicação adequada entre as instâncias de governo e a sociedade, suas instituições e cada cidadão, em particular, sem exclusão de ninguém. Essa tecitura em permanente construção proporciona a eliminação das distorções no sistema jurídico e na gestão pública e privada das rotinas, protocolos e programas que devem ser empenhados na defesa dos segmentos sociais vulneráveis.
Sobre isto, lamentavelmente, sobretudo os tribunais do país, mas não somente os tribunais, ainda parecem gravemente refratários a esse pioneirismo, enquanto se ressentem, na mesma obsolescência, da falta de pessoal judicial e auxiliar qualificados o bastante para o exercício sensível da Teoria da Inclusão e de suas práticas, notadamente no que tratam dos direitos e da promoção das pessoas com deficiência. Nada obstante: Os interesses presentes no cotidiano social tendem cada vez mais a ser definidos em função de grupos locais ou mesmo com mobilização nacional, objetivando a integração por meio da provocação do Judiciário ou ainda pela agressão ao modelo de acomodação social imposto pela moldura estatal. (Silva, Leonio José Alves da [2011]. Omissão administrativa e direitos das pessoas com necessidades especiais. Livro Rápido-Elógica. Olinda, p. 84)
Disso resulta um autêntico ciclo vicioso entre a existência de uma plataforma normativa digna de encômios (o Brasil é um país bem aparelhado normativamente), porque incorpora as diretivas universais em torno da matéria, mas se mantém um quadro de perplexidades empíricas na execução de suas regras, ora por desconhecimento desses fundamentos jurídicos ora por falta de vontade política dos órgãos e agentes públicos e, de resto, das instituições privadas que formam o socius na contemporaneidade. Esse quadro de ineficiência no atendimento sobranceiro e rigoroso dascláusulas pétreas que dizem respeito à promoção efetiva, e não meramente retórica ou simbólica, dos direitos das pessoas com deficiência no país reflete o preconceito, como resquício primitivista da sociedade, ainda arraigado nos corações e mentes de muitos. Sobre constitucionalização simbólica como problema (alopoiese do sistema jurídico) da modernidade periférica, Marcelo Neves: ...a sociedade mundial de hoje é multifacetada e possibilita a aplicação do esquema “centro e periferia” em vários níveis. Parece-nos, porém, que a distinção entre modernidade central e periférica é analiticamente frutífera, na medida em que, definido-se a complexificação social e o desaparecimento de uma moral material globalizante como características da modernidade, constata-se que, em determinadas regiões estatalmente delimitadas (países periféricos), não houve de maneira nenhuma a efetivação adequada da autonomia sistêmica de acordo com o princípio da diferenciação funcional, nem mesmo a criação de uma esfera intersubjetiva autônoma fundada numa generalização institucional da cidadania, características (ao menos aparentes) de outras regiões estatalmente organizadas (países centrais). (Neves, Marcelo [1994]: A constitucionalização simbólica. Editora Acadêmica. São Paulo, pp. 148, 149)   
LEIAM  RESTANTE DO TEXTO EM: http://www.conjur.com.br/2012-dez-19/roberto-nogueira-inclusao-pessoas-deficiencia-dever-estado

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